Eleito com 55,69% dos votos válidos, Javier Milei da coalisão La Libertad Avanza, é o novo presidente da Argentina. Sua eleição, como já era previsto, causou reações díspares por parte da esquerda e da direita. Por um lado, a esquerda enxergou a eleição de Milei como uma derrota para a esquerda na América Latina e a perda de espaço no subcontinente. Por outro, a direita viu como uma vitória e um recuo das políticas de esquerda no país.

E ainda há os libertários simpáticos à via política (“gradualistas”), que enxergam na eleição de Milei uma demonstração de que a entrada na política é um caminho viável para a causa da liberdade. No entanto, um olhar realista e cuidadoso nos planos de Milei e a quem ele é associado é importante para fazermos uma análise mais realista do novo presidente argentino.

Os planos de governo de Milei

Como Milei deixou claro em várias ocasiões, seu programa de governo inclui a redução de gastos públicos, redução de impostos, militarização dos presídios, flexibilização do acesso às armas e até mesmo legalização da comercialização de órgãos. Milei também pretende abolir o Banco Central da Argentina (uma mudança radical e tanto) e até mesmo dolarizar a economia, criando o caminho para que gradativamente o dólar americano substitua o peso argentino como moeda legal no país.

Além disso, Milei também pretende reformar os serviços de saúde e educação. No caso dos serviços de saúde, eles deixarão de ser “gratuitos” (na verdade a população pagava via impostos) e será cobrada uma taxa para quem quiser utilizá-los. Já no caso da educação, haverá a distribuição de vouchers estudantis para que alunos possam estudar em escolas particulares.

Todos estes projetos são parte de um programa que Milei acredita que poderá ser implementado dentro de 35 anos e que irão aumentar a liberdade e prosperidade na Argentina.

A liberdade irá avançar na Argentina?

Muitas das medidas que Milei pretende implementar com certeza trariam melhorias para a economia argentina. A redução de impostos e redução de gastos públicos (embora o ideal fosse a abolição total de ambos) com certeza permitiriam que a economia prosperasse. No entanto, tratando-se de um político, é pouco provável que Milei vá muito longe em tais medidas.

Sem contar que Milei poderá encontrar uma forte resistência no Congresso argentino para que tais medidas sejam implementadas. O que significa que Milei ou terá que se contentar em ver muitas das suas medidas não sendo aprovadas, ou tendo que fazer concessões em outras áreas para os parlamentares a fim de ver algumas das suas medidas sendo aprovadas. O que levaria a um recuo de sua agenda pró-liberdade.

A flexibilização das armas também é uma proposta bem vinda do ponto de vista libertário. Ainda assim, é provável que muitas restrições sobre compra e venda de armas sejam mantidas. Afinal, o estado argentino, como qualquer outro estado, não irá abrir mão tão facilmente de um controle tão vital quanto o da capacidade de autodefesa da sociedade.

A militarização dos presídios é uma outra promessa de Milei que agradou muitos dos seus simpatizantes, e que possui uma forte semelhança com as medidas adotadas pelo presidente de El Salvador, Naybi Bukele. Ao mesmo tempo que pode parecer uma excelente proposta pelo combate ao crime de forma mais dura, por outro lado aumenta o poder do estado e sua legitimidade perante a sociedade. Fora que se tratando do estado, podemos suspeitar de seu modus operandi para alcançar tais objetivos.

Além destas medidas, que a princípio parecem boas, há aquelas que para um olhar libertário mais treinado são motivo de preocupação. Primeiramente, a proposta de distribuir vouchers estudantis, para que os pais possam pagar escolas particulares para educar seus filhos. Tal medida sempre foi bem vista por liberais e até mesmo alguns libertários. No entanto, ao invés de ser uma mera substituição da educação estatal pela educação privada, a verdade é que os vouchers estudantis são apenas um outro formato da educação estatal.

Afinal, apenas as escolas alinhadas aos interesses do estado serão incluídas em tais programas, e isso inclui sua grade curricular. Na prática, o estado irá continuar exercendo sua influência, só que por meio das escolas particulares e dando a falsa sensação de que tal medida seria uma fuga da educação estatal, quando este não é o caso.

(Leia este artigo do Instituto Rothbard sobre o problema dos vouchers estudantis)

Olhos atentos em Milei

Mas de todas as medidas suspeitas, a mais preocupante seria a dolarização da economia, que infelizmente ainda possui muitos defensores no meio libertário, principalmente entre aqueles menos conscientes da problemática político-econômica desta medida. É compreensível o interesse de muitos pela dolarização, uma vez que sendo o dólar menos desvalorizado frente ao peso argentino, além da sua maior aceitabilidade a nível global.

No entanto, os simpáticos à tal ideia precisam estar cientes de suas implicações. Que são maléficas o suficiente para libertários americanos não apenas repudiarem a dolarização, como também defenderem a completa abolição do dólar.

Em primeiro lugar, a substituição de uma moeda local pelo dólar colocaria a Argentina sob controle do governo americano e das políticas monetárias do Fed. E isso pode incluir a imposição de políticas públicas cada vez mais impulsionadas pelo establishment político das grandes potências e das organizações mundiais, tais como censura em nome do combate às “fake news”, moedas estatais digitais e leis ambientalistas.

E uma vez que sabemos que Milei é ligado ao Fórum Econômico Mundial, organização essa com pretensões um tanto quanto suspeitas, torna-se praticamente impossível não colocar um “chapéu de alumínio” e ficar alerta a qualquer medida tomada pelo novo presidente argentino.

Mesmo uma de suas maiores propostas, a abolição do Banco Central da Argentina, tem grande chance de ser apenas uma remoção do obstáculo à dolarização, e consequentemente, do domínio político-econômico dos EUA sobre a Argentina. Mesmo que a abolição do Banco Central de fato ponha fim à inflação que assola a Argentina, submetê-la a uma outra moeda fiduciária e às políticas monetárias desastrosas do Fed não é uma boa solução.

Um conselho aos libertários sobre Milei

É compreensível que muitos libertários, inclusive brasileiros, estejam empolgados com a eleição de Milei. Afinal, com o crescente avanço da esquerda, é normal que qualquer derrota sofrida por ela seja vista como uma grande vitória para a causa da liberdade. Ainda mais vindo de alguém que se apresenta como libertário e inimigo da classe política.

Mas não podemos esquecer dos vários problemas presentes no programa de governo do Milei que poderão levar suas ações para um sentido contrário ao da causa da liberdade. Além disso, estejamos cientes de que a esquerda política, o establishment e a grande mídia irão atacar ferozmente a figura de Milei e tudo que ele é associado. E isso inclui nós, libertários. Algo que já estão fazendo.

No entanto isso também traz um ponto positivo, uma vez que tornará o libertarianismo um assunto cada vez mais comentado pela grande mídia. Então mesmo que a grande mídia tente associar as práticas não-libertárias de Milei ao libertarianismo, poderemos aproveitar o fato da ideia estar em evidência para atrair um novo público para nós e esclarecermos sobre o que ela de fato é e o que realmente defendemos.

E isso é uma excelente oportunidade para os influencers e produtores de conteúdo libertários.

No mais, torçamos para que se possível, realmente haja uma melhoria econômica para os hermanos argentinos depois de tantos anos sob políticas peronistas destrutivas.

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