Introdução
Tempos sombrios assolam o Brasil. Como se não bastasse o desastre econômico provocado por diretrizes socialistas, os brasileiros ainda devem encarar a problemática das drogas que, por muitas vezes, é tratada com total descaso. Falar de drogas no Brasil é um tabu, pois já se associa à libertinagem e, claro, à criminalidade.
Drogas pode ter a ver com libertinagem, mas nem sempre. A maconha, por exemplo, é por vezes usada para fins medicinais. Muitos que usam drogas para fins recreativos o fazem discretamente e em particular. De qualquer maneira, se alguém usa libertinamente isso é apenas um aspecto totalmente moral, que fica em aberto para ser julgado como positivo ou não por outros indivíduos. Do outro lado, tem-se a problemática da criminalidade, uma vez que esse tipo de produto é a fonte primária que financia as facções criminosas. E é neste último ponto onde reside a origem dos conflitos.
O que nos interessa realmente neste artigo é o aspecto ético, isto é, o aspecto objetivamente jurídico sobre se é certo ou errado usar drogas. Depois dessa análise, será demonstrado que combater as drogas pelo uso da força e da lei é uma postura que corrobora com a criminalidade, trazendo, assim, uma deterioração lenta da sociedade.
A ética da propriedade privada
O que é propriedade? Vamos nos ater ao sentido factual (descritivo) deste termo. Propriedade é o controle exclusivo de um bem, ou seja, o proprietário pode excluir qualquer outra pessoa de usar o referido bem. Todos os recursos materiais no mundo são escassos (finitos) e podem pertencer a alguém ou não.
Sendo assim, todo indivíduo tem a propriedade sobre seu próprio corpo e, para provar isso, não precisa valer-se de decretos ou de uma constituição federal. Basta fazer uma reflexão apriorística: “eu tenho poder exclusivo sobre meu corpo?” Se a resposta for não, então alguém também seria dono de seu corpo, podendo tomar decisões em última instância por você. É evidente que essa possibilidade não corresponde com a verdade pois, se ela fosse verdadeira, isso significa que seria possível se apropriar de outras pessoas. É uma hipótese plenamente absurda. Além disso, afirmar o contrário só demonstra que você tem a decisão final. Essas constatações são apenas fatos, não se está dizendo ainda porque um recurso “A” deve pertence ao indivíduo “X” e nem porque o corpo desse indivíduo deve pertencer a ele e que, portanto, deve ser respeitado.
O argumento ético surge exatamente quando se indaga: “devo ter direito de exercer o controle sobre meu próprio corpo?“. Seria possível justificar uma norma em que não se deve ter o direito de exercer tal controle? Evidente que não, pois o argumentador cairia em uma contradição prática, uma vez que a tentativa de justificar uma norma diferente teria que pressupor o reconhecimento do interlocutor do direito à autopropriedade, isto é, ele teria que respeitá-la e utilizá-la, por assim dizer. É uma norma que está impressa no descritivo do a priori da argumentação. Nesta impressão é onde está inserido o famoso “PNA” ou, ainda, o Princípio da Não-Agressão. O mesmo argumento vale para a propriedade sobre os demais recursos apropriados legitimamente (HOPPE, 2006).
Sendo assim, todo indivíduo tem direito à autopropriedade porque não se pode justificar nenhuma outra norma que não seja a ética libertária. Essa norma é dada ao Homem pela natureza, pela própria racionalidade e é por isso que deve ser respeitada: deve-se agir de acordo com a razão, dado que é impossível justificar racionalmente que “deve-se agir de acordo com a irracionalidade”.
Usando a Ética da Propriedade Privada como fundamento, torna-se possível solucionar a problemática das drogas, isso porque todos os problemas são consequência da violação da ética.
O usuário de drogas e o traficante de drogas
Por que um usuário de droga deve ser criminalizado por portar uma quantidade que, julgado pelas autoridades, “não é razoável”? O argumento que usam é que “se ele está com uma quantidade grande de maconha, é porque vai comercializar”. Então veja que todo o argumento é uma hecatombe argumentativa sem tamanhos, isso porque, como já demonstrado, o corpo é do usuário e tão somente ele tem o direito de usá-lo da forma que achar melhor. Se é do seu interesse consumir drogas, porque isso deveria ser crime se tão somente ele está sendo afetado por isso?
Punir alguém que usa drogas é um manifesto crime sem vítima. Um desperdício total de recursos, pois quem vai investigar na consolidação da pena é o Estado, que é movido por impostos. Movimenta-se a máquina estatal para simplesmente encarcerar um usuário de drogas. Em outras palavras, é o mesmo que queimar dinheiro.
Não interessa o argumento consequencialista. Ninguém deve ser punido simplesmente porque “pode cometer um crime” ou ainda “porque se ele tiver uma overdose vai para o hospital público”, isso porque estaria penalizando um indivíduo com base numa expectativa, ou seja, ainda não houve a realização do delito. Se for assim, porque não se proíbe, também, o cigarro e as bebidas alcoólicas (ROTHBARD, 2013)? As medidas estatais para resolver os problemas são totalmente contraditórias e que não respeitam o princípio da universalização da lei.
E quanto à comercialização, seria um crime? À égide da Ética da Propriedade Privada, a resposta é um sonoro “não”. Como já visto, o Homem tem direito ao seu próprio corpo e isso é justificado racionalmente no a priori da argumentação. O mesmo vale para os recursos que venham a ser apropriados por ele. A droga é um recurso escasso como qualquer outro e, portanto, está sujeito à apropriação. Por qual razão é correto punir o comerciante de drogas, mas não o comerciante de bebidas alcoólicas e tabacos? Não há lógica nesse tipo de regulação estatal, motivo este que ela promove conflitos em vez de evita-los. Este é o objetivo de uma norma, do ponto de vista puramente analítico: que ela deve evitar conflitos.
Em suma, o usuário e o traficante de drogas não são criminosos e não devem ser punidos. A dúvida que surge é: se os traficantes não são criminosos, porque as facções criminosas são todas financiadas pela droga, sendo que é amplamente conhecido que os seus integrantes são autores de diversos crimes?
Criminalizar as drogas gera conflitos
Quando se proíbe o consumo/comércio de drogas, o que acontece na prática é que o Estado cria um monopólio desse mercado aos criminosos, uma vez que estes não tem compromisso algum em respeitar a lei. Essa reserva mercadológica é nociva, pois resulta em elevação dos preços e numa baixa qualidade do produto (ROTHBARD, 2012). O preço aumenta porque elimina-se a livre concorrência, único método capaz de fazer o cálculo econômico e tornar os bens baratos e de alta qualidade (MISES, 2010). Além disso, o traficante precisa integrar no seu custo o risco de vender esse tipo de produto, que, como se pode ver, é alto, tendo em vista que o Estado proíbe a venda (BLOCK, 2010).
A repressão estatal no mercado de drogas também é um incentivo para que pessoas com habilidades para outros crimes (homicídio, roubo etc) integrem esse setor, dado que eliminar um concorrente (pela violência, claro) significa um ganho de clientes (confira o artigo “BANDIDOS SÃO VÍTIMAS DA SOCIEDADE [CAPITALISTA]?“). Qualquer fatia a mais de clientes pode significar um grande lucro para esses bandidos, já que os monopólios são facilmente identificáveis. Qualquer semelhança com a época da Lei Seca nos EUA (1929-1933) não é mera coincidência.
Com isso, o usuário de drogas perde, porque ele precisa colocar sua vida em risco para conseguir saciar seu desejo, seja porque possa ser pego pelas autoridades, seja porque a qualidade da droga é totalmente duvidosa (abrindo portas para os sintéticos). Com os preços caros, há um incentivo para que haja o cometimento de crimes e dilapidação do próprio patrimônio para poder obter a droga.
É incrível como tem quem ache “bem feito, quem mandou se drogar?”. Querem usar um desejo moral particular e impor isso normativamente aos demais. Como se ser viciado em álcool, cigarros, doces, refrigerantes e hambúrgueres, fosse não fossem vícios semelhantes que podem originar inúmeras doenças. Se a coca-cola fosse proibida amanhã, pode ter certeza que o efeito seria o mesmo ou muito semelhante ao que ocorre com as drogas.
Mais uma vez: a ética é diferente da moral. Aquela é normativa e, portanto, objetiva. A última é valorativa e, por consequência, subjetiva. É a ética que irá incidir na discussão sobre criminalização das drogas.
Então qual seria a solução prática? A liberação total das drogas por dois motivos: 1) do ponto de vista ético, como já explanado, vez que é objetivamente errado proibir que um indivíduo consuma droga, bem como comercializar esse produto; e 2) do ponto de vista utilitário, vez que iria cortar na raiz o financiamento das facções criminosas, enfraquecendo-as consideravelmente, isso porque concorrentes comuns iriam surgir disputando o mercado com drogas de maior qualidade (e segurança) por um baixo custo. Essa guerra seria vencida por essas medidas e iria beneficiar a toda a sociedade.
É importante deixar claro que o referido artigo não defende a legalização das drogas, que nada mais é que criação de cartéis e entraves regulatórios. Esses “quase-monopólios” ainda sim são nocivos, apesar de ser uma situação menos pior, porque os preços ainda continuam caros e a qualidade do produto ainda continua ruim (ROTHBARD, 2012). Legalizar não resolveria o problema, apenas iria tornar o problema menos péssimo. Defende-se aqui a ética, não um “mal-mínimo”.
Conclusão
O problema das drogas é só um reflexo do que acontece quando o Estado insiste em brincar de Deus, querendo controlar tudo com o argumento de que uma folha de papel irá resolver todos os problemas. Além de causar problemas ético, gera-se uma desordem econômica. Ambos refletem na sociedade negativamente.
Usar e vender drogas podem ser ações manifestamente imorais e repugnantes ou podem ser ações manifestamente morais e louváveis, dependendo do juízo de cada pessoa. Acontece que o fato é que isso não tem relação alguma com a ética, que é o que interessa de verdade para resolver qualquer conflito.
Ninguém deve ter o direito de decidir pela força o que um indivíduo deve consumir ou não, e nem o que se deve vender ou não. Desde que o bem tenha sido apropriado legitimamente por alguém, não há justificativa racional e nem ética para que se permita a violação do direito dessas pessoas, por mais que se ache repugnante os seus gostos e condutas pessoais.
Por fim, liberar as drogas é um dever ético e é isso que deve ser defendido. Se você quer se livrar as garras das facções criminosas e da barbaridade de seus membros, essa é a primeira medida que deve ser tomada. Lembre-se, legalizar não é a solução.
Referências:
BLOCK, Walter. Defendendo o indefensável. 2˚. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível em: <https://amzn.to/2Z3AFI2>.
HOPPE, Hans-Hermann. Economics and ethics of private property. 2˚. ed. Alabama: Ludwig von Mises Institute, 2006. Disponível em: <https://amzn.to/31vsTrY>.
MISES, Ludwig von. Ação humana: um tratado de economia. 3.1˚. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível em: <https://amzn.to/2Z2kbnt>.
ROTHBARD, Murray. Governo e Mercado. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2012. Disponível em: <https://amzn.to/2YUE683>.
_________________. Por uma nova liberdade: o manifesto libertário. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2013. Disponível em: <https://amzn.to/31xqrkE>.
[…] como a única correta no a priori da argumentação e sobre isso você pode saber mais aqui e aqui. O que nos interessa neste artigo é falar sobre o famigerado voluntarismo e instigar a curiosidade […]
[…] é errado e desnecessário, já que tal saber é dado (e justificado) aprioristicamente aqui, aqui e nos seguintes livros: A Anatomia do Estado, Manifesto Libertário, Ética da Liberdade, Economics […]